31 Maio 2018
Fórum Vê Portugal debateu estratégias para o turismo no interior do País
A 5.ª edição do Fórum de Turismo Interno “Vê Portugal”, que decorreu na Guarda nos dias 7 e 8 de maio, resultou num enorme sucesso, tanto a nível da qualidade das apresentações como do número de participações. Isso mesmo foi destacado por Pedro Machado, presidente do Turismo Centro de Portugal, entidade organizadora, na sessão de encerramento.
“Este foi um ‘Vê Portugal’ fantástico, de extraordinária qualidade e o mais participado de sempre. Vai ficar na história que a edição de 2018 contou com 568 inscrições e 424 descarregaram os cartões de entrada”, sublinhou, antes de resumir alguns dos pontos mais altos dos dois dias.
“Este fórum demonstrou as portas e janelas que o turismo pode abrir aos nossos territórios. Territórios esses que foram atingidos no seu coração, mas que continuam a criar oportunidades, como é o caso da Ferraria de São João, que nos trouxe aqui o Pedro Pedrosa. A atividade turística está a reerguer-se e a crescer nestes territórios”, salientou.
A aposta na promoção conjunta com os vizinhos espanhóis foi outro dos destaques escolhidos por Pedro Machado: “O mercado ibérico é uma inevitabilidade para nós. Estamos a oito dias de ir para Xangai com o Alentejo e a Extremadura espanhola, para reforçar esta capacidade de sermos ‘dois países um destino’, de forma a aumentar a nossa atratividade. O Centro de Portugal foi uma região pioneira nesta cooperação e está um passo à frente, já a pensar em projetos mais ambiciosos”.
Mas há dificuldades, recordou. “Ainda há custos de contexto que temos de ultrapassar, como as acessibilidades rodoviárias ou o transporte aéreo. No quadro de 2030 teremos todos de nos mobilizar: Comunidades Intermunicipais, Câmaras Municipais, associações empresariais. O pais tem de fazer escolhas e deixar de estar inclinado para litoral e sul. Escolhas que obedecem a investimentos, os quais traduzem prioridades. É um desígnio nacional não fazer deste território um enclave entre duas áreas metropolitanas”, defendeu.
Antes de terminar, Pedro Machado anunciou que a 6.ª edição do Fórum “Vê Portugal”, em 2019, acontecerá em Castelo Branco.
Carlos Monteiro, vice-presidente da Câmara Municipal da Guarda, destacou o facto de a sua cidade fazer “a ponte entre turismo interno e o turismo ibérico”. “É uma região fundamental para atrair este mercado próximo, o espanhol, que pode ajudar a crescer o emprego e a alavancar a economia do Centro de Portugal. A Guarda está de portas abertas para continuar a promover o turismo do Centro e do interior”, concluiu.
Durante o dia decorreram três painéis. O papel que as indústrias criativas podem ter na promoção turística esteve em destaque no quarto painel, que iniciou o segundo dia do evento. Com o tema “Novas Tendências na Promoção dos Destinos”, contou com intervenções dos bloggers Carlos Bernardo e Nelson Carvalheiro, de Uriel Oliveira, vice-presidente da Cision, e de Ruben Alves, o ator e realizador que se celebrizou com o sucesso “A Gaiola Dourada”.
A moderadora Cristina Amaro, Diretora Executiva do Imagens de Marca, conduziu a conversa, levando os participantes a trocar ideias sobre as suas experiências criativas. Nelson Carvalheiro, autor de um blogue com o mesmo nome, mostrou à audiência as novas tendências de conteúdos na comunicação digital com especial destaque para o vídeo. “Os conteúdos são a nova forma de publicidade”, frisou. Carlos Bernardo, criador do blogue “O Meu Escritório Está Lá Fora”, partilhou a sua experiência enquanto viajante, sublinhando que não precisa de sair de Abrantes, onde vive, nem de ter um escritório físico, para alcançar os seus objetivos, graças às tecnologias digitais.
Uriel Oliveira pegou na deixa é referiu que a “publicidade está a deixar de ser efetiva”. “Apenas 14% das pessoas confiam na publicidade e cada vez mais confiam nas opiniões de pessoas que partilham experiências. Este é um novo desafio da comunicação”, disse. “Os influenciadores de hoje são youtubers, bloggers, instagramers, mas são principalmente pessoas”, acrescentou, sustentando que os residentes locais podem ter um papel muito importante na capacidade de influenciar viajantes.
Ruben Alves abordou a vantagem do cinema enquanto “grande meio de promoção de destinos turísticos”. Lembrando casos da série “Guerra dos Tronos”, e outras, que geram enormes receitas turísticas nos locais onde são filmadas, deixou um desafio: “Por que motivo Portugal não faz séries internacionais baseadas em histórias como Viriato, Aristides Sousa Mendes, Pedro e Inês, que é melhor que o Romeu e Julieta, e outras?”
O quinto painel foi dedicado ao tema “Novas Tendências da Procura Turística”. Moderado por Gonçalo Poeta Fernandes, Vice-Presidente do Instituto Politécnico da Guarda, contou com intervenções de António Jorge Costa, fundador e presidente do IPDT – Instituto de Planeamento e Desenvolvimento do Turismo; Rong Huang, Professora na Universidade de Plymouth, Inglaterra; e Diogo Rocha, chef do restaurante “Mesa de Lemos”.
António Jorge Costa mostrou os números de crescimento do turismo e traçou o perfil dos novos turistas: mais jovens e solteiros, por um lado; seniores mais ativos, por outro. E, acima de tudo, cada vez mais informados – já não são facilmente enganados. “O visitante não é parvo: informa-se, procura e compara ofertas. Entidades que se aproveitem, que não tenham um valor acrescentado no produto que vendem, são penalizadas”, adiantou.
A professora Rong Huang realçou que o turismo é a atividade que vai liderar o crescimento económico e mostrou igualmente as tendências atuais dos viajantes, ilustradas com dados muito curiosos. Por exemplo, a realidade virtual vai entrar em força como meio de promoção turística. “A realidade virtual vai ser a nova showroom. Já há locais, como na China, com experiences centres, em que os turistas podem experimentar e ver os locais antes de viajarem”, adiantou. Rong Huang mostrou também que o mercado chinês vai ser cada vez mais importante, com a particularidade de que “os chineses compram muitas coisas nos locais que visitam, coisas que não têm na China”. A seguir, disse, vai despontar o mercado indiano. E aí, sublinhou, Portugal pode ter vantagens – até porque “Vasco da Gama foi o primeiro a ligar o Atlântico e o Índico”.
O chef Diogo Rocha falou da sua experiência no Mesa de Lemos. “Temos dois mercados importantes: os que nos visitam e os que cá estão”, referiu. “O nosso turismo, no Centro de Portugal, é um turismo de qualidade, não é de massas. No meu restaurante não posso ter 200 pessoas, não conseguiria garantir a qualidade”, acrescentou.
O sexto e último painel abordou o tema “Património e Turismo, uma relação estratégica?”. Tendo como base o facto de 2018 ser o Ano Europeu do Património Cultural, conversou-se sobre a relação estratégica entre Património e Cultura. Moderado por Carlos Martins, Coordenador do Projeto Lugares Património Mundial do Centro, o painel contou com intervenções de Clara Almeida Santos, Vice-reitora da Universidade de Coimbra; Ana Pagará, Diretora do Mosteiro de Alcobaça; e Celeste Amaro, Diretora Regional de Cultura do Centro.
Clara Almeida Santos defendeu que “o património vende quando tem mais do que pedras” – quando tem histórias e pessoas. Para a vice-reitora, “cada vez mais o turismo é o valor com que se mede o interesse do património”. E exemplificou com o caso da Universidade de Coimbra, que no ano passado contabilizou “meio milhão de visitas pagas”. Para que os resultados continuem a ser positivos, disse, é importante que “os espaços não sejam sacralizados e cristalizados, que se use o património de forma criativa”. “O património não é chato!”, concluiu.
Ana Pagará centrou a sua intervenção na importância do Mosteiro de Alcobaça à escala internacional, recordando que há cinco mosteiros cistercienses classificados património da Humanidade na Europa e um deles é o de Alcobaça. Ainda assim, há muito que pode ser feito, disse, nomeadamente “melhorar a ligação do Mosteiro com a comunidade e melhorar as condições de usufruto do monumento pelos visitantes”, entre outras medidas.
Celeste Amaro apresentou a Rede de Judiarias, um projeto muito caro à Direção Regional de Cultura do Centro. E deixou um número importante em cima da mesa: o Centro de Portugal tem 800 monumentos classificados.
No primeiro dia, a sessão de boas-vindas contou com intervenções de Álvaro Amaro, presidente da Câmara Municipal da Guarda, Carlos Abade, administrador do Turismo de Portugal, e Pedro Machado, presidente do Turismo Centro de Portugal.
Pedro Machado, recordou a génese deste encontro anual, promovido pelo Turismo Centro de Portugal. “O Fórum Vê Portugal nasceu há cinco anos para discutir os problemas que mais afetam o turismo no Centro de Portugal: a sazonalidade, a baixa estadia média, a litoralização da procura turística. Felizmente, são problemas estruturais que estamos a ultrapassar”, considerou.
“Esta região cresceu 26,6% na procura de estrangeiros no ano passado, um ano particularmente difícil por causa dos incêndios. E cresceu 68,4% fora da época alta, o que significa que a procura fora dos picos tradicionais é cada vez mais importante. Hoje há um conjunto de tendências da procura que vão além do sol e praia. O turismo de Natureza, o turismo de património e cultura, o turismo ativo, o turismo enogastronómico, o turismo de wellness e bem-estar são procurados por cada vez mais visitantes, numa importante alteração no perfil da procura”, destacou.
Pedro Machado salientou também a importância do reforço da cooperação e do trabalho em rede com Espanha, iniciada em janeiro de 2017: “Juntos, Portugal e Espanha são o maior mercado mundial em termos de procura”.
Álvaro Amaro, presidente da Câmara Municipal da Guarda, contestou a ideia veiculada por alguns de que começa a haver turismo a mais em Portugal. “Turismo a mais? Disparate! Como presidente da Câmara Municipal, digo: ‘Venham todos para cá!’”, frisou, antes de destacar os números de crescimento da sua cidade: “A Guarda subiu 76% em visitantes nos últimos quatro anos, de acordo com os registos do nosso Welcome Center”.
Na sua intervenção, o autarca lançou o desafio: é necessária uma “estratégia de desenvolvimento turístico do interior, para que Portugal seja o melhor destino turístico do mundo também em zonas de interior”. Até porque, como considerou, “a disputa entre litoral e interior acabou. O interior é hoje uma causa nacional”.
Carlos Abade, administrador do Turismo de Portugal, fundamentou a sua intervenção na importância do turismo interno. “O turismo interno é o maior mercado de turismo nacional, com um peso superior a 50% no Alentejo e no Centro de Portugal. Fazê-lo crescer é decisivo para o desenvolvimento da economia regional”, disse.
O primeiro painel prometia uma conversa estimulante e o resultado excedeu as expetativas, graças à pertinência do tema – “Turismo de Natureza: Que Desafios Para a Sustentabilidade?” – e à qualidade dos intervenientes. O debate contou com intervenções de Domingos Xavier Viegas, Coordenador do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e autor do relatório sobre o incêndio de Pedrógão Grande; Paulo Fernandes, Presidente da Câmara do Fundão e da ADXTUR – Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto; Viriato Garcez, Diretor de Departamento de Conservação da Natureza e Florestas do Centro; e Paulo Pedrosa, CEO da A2Z, morador na aldeia da Ferraria de São João e grande impulsionador da Zona de Proteção desta aldeia.
O professor Xavier Viegas deu o mote, lançando a discussão sobre o impacto dos incêndios florestais de 2017 e apontando caminhos para que as tragédias possam ser evitadas. “Os incêndios florestais são uma das maiores ameaças para o mundo rural. Põem em causa a segurança das pessoas, o património e afetando todas as atividades, incluindo o turismo”, salientou. “O turismo é uma das maiores riquezas do país e a segurança é um dos fatores de atração do país. Os incêndios prejudicam esta imagem”, lembrou.
Para o especialista, o grande problema é que “o país tem vivido como se o problema não existisse. 2017 mostrou que o pais é vulnerável e que os incêndios podem atingir qualquer pessoa, em qualquer sítio do país”. A solução, indicou, passa pela consciencialização das populações, das pessoas. “Os incêndios são uma questão de cidadania. Qualquer processo de resolução tem de passar pelas pessoas, não podemos esperar só pelo Estado. As situações podem repetir-se, mas as consequências não se podem repetir. Temos de nos organizar para enfrentar o problema”, considerou.
Paulo Fernandes acrescentou elementos à discussão, afirmando que “a dicotomia incêndios rurais e urbanos perdeu-se”. “As zonas periurbanas, que antes estavam ocupadas, foram perdendo atividades e ficando abandonadas ao longo do tempo, fazendo com que os incêndios entrem em grande força nas aldeias, vilas e cidades”, alertou.
“A Natureza não para. Todos os dias crescem plantas que não queremos. Atuar sobre a paisagem é um desafio. Não podemos esperar que a Natureza resolva o problema”, defendeu, recordando que o incêndio de outubro não entrou no Fundão “por causa das cerejas”.
Depois de Viriato Garcez ter salientado a atuação do ICNF, nomeadamente através do site Natural.pt, foi a vez de Pedro Pedrosa contar a experiência que viveu em junho, quando a aldeia da Ferraria de São João se viu cercada pelas chamas, e o que está a ser feito desde então, na zona de proteção da aldeia.
“Portugal e o sul da Europa vão continuar a arder. O problema dos incêndios é social. É precisamente aí que merece a nossa reflexão”, disse. Para isso, é necessário “capacitar as pessoas” das aldeias e fazê-las “acreditar que é possível fazer acontecer”.
“Turismo de Interior – Desafios e Tendências” foi o tema do segundo painel. Moderado pelo urbanista, arquiteto paisagista e engenheiro agrónomo, Sidónio Pardal, o painel contou com intervenções de Francisco Martín Simón, Diretor Geral do Turismo da Junta da Extremadura (Espanha); Jorge Monteiro, Presidente da ViniPortugal; Paulo Romão, responsável pelo projeto Casas do Côro; e João Paulo Catarino, Coordenador da Unidade de Missão para a Valorização do Interior.
Francisco Martín Simón destacou na sua intervenção o trabalho conjunto que tem sido feito pelas regiões portuguesas Centro de Portugal e Alentejo e a região espanhola da Extremadura na eurorregião EUROACE. Citando Fernando Pessoa, o dirigente espanhol frisou que “não é possível uma futura civilização portuguesa nem espanhola, é possível uma futura civilização ibérica”.
Esta colaboração estreita entre as três regiões na área do turismo vai estar em foco este mês, com uma participação conjunta na Feira ITB de Shanghai. O objetivo final é “criar riqueza e emprego nas três regiões”, considerou.
Jorge Monteiro dedicou a sua participação à importância do enoturismo, que é “uma oportunidade de desenvolvimento para o interior”. Dando o exemplo da Califórnia, em que 20 por cento das receitas dos produtores de vinho em já do turismo, elencou as vantagens nesta aposta: “O ecoturismo não pode ser um turismo de massas. É mais do que beber vinho, é conhecer, experimentar e viver o vinho”.
Paulo Romão contou a história de 18 anos das Casas do Côro, um exemplo máximo de sucesso de um investimento numa zona do interior profundo. “Tivemos de criar um destino. Para isso, desviámo-nos do convencional e criámos um projeto para tudo e para todos”.
Finalmente, João Paulo Catarino elogiou as vantagens competitivas que o interior pode oferecer: “Quando visitamos as cidades europeias, verificamos que a homogeneização é evidente. No interior, oferecemos autenticidade”. “Para aumentarmos os visitantes em Portugal, temos de alargar o território que recebe turistas para zonas menos visitadas”, sublinhou. “Os turistas que vêm cá procuram a natureza, a biodiversidade… Poucos países no mundo podem oferecer tanto como nós. Falta-nos ensinar o caminho para o interior a quem chega a Lisboa e Porto. Se pudermos acelerar esse processo, ganharemos todos com isso”, sintetizou.
O primeiro dia de trabalhos encerrou com o terceiro painel, dedicado ao tema “Inovação, Competitividade e Coesão”. Moderado pelo jornalista da RTP Jorge Esteves, o painel contou com intervenções de Ana Abrunhosa, Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro; Luís Veiga, CEO da Natura IMB Hotels e do IMB Group (H2otel, Puralã – Wool Valley Hotel&Spa, Hotel Lusitânia Congress&Spa, Hotel Vanguarda, Covilhã Parque Hotel, Clube de Campo da Covilhã e a IMB-Imobiliária); Ana Jacinto, Secretária Geral da AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal; e Carlos Costa, Professor Catedrático e Diretor do Departamento de Economia, Gestão, Engenharia Industrial e Turismo (DEGEIT) da Universidade de Aveiro.
A conversa foi animada, com Ana Abrunhosa a elencar algumas das medidas que têm sido tomadas no sentido de aumentar a competitividade e a coesão da região Centro de Portugal, através dos variados programas de apoio.
Luís Veiga norteou a sua intervenção pela denúncia de “custos de contexto” que penalizam que pretende investir no interior, nomeadamente as auto-estradas, o preço da água, a taxa de ocupação de gás natural, a derrama e outros, e chegou a apelar a uma “desobediência civil” relativamente às portagens. “É altura de as SCUT voltarem a ser o que eram antes da crise”, sustentou.
Ana Jacinto apresentou alguns dos programas com que a AHRESP tem apoiado a internacionalização das empresas de atividade turística, promovendo os produtos endógenos das regiões e a rede de restaurantes portugueses no mundo.
Carlos Costa, entre vários assuntos que trouxe ao debate, sublinhou a mudança de paradigma no turismo introduzido pelas companhias de aviação de baixo custo, que levam cada vez mais turistas a descobrirem as cidades. “Estão a chegar novas forças económicas às cidades. Turismo é a economia a entrar nas cidades, os turistas trazem-nos rendimento. Não temos petróleo, temos turistas. Temos gente a mais a chegar? Temos gente, precisamos é de saber geri-las”, defendeu.