À descoberta, passo a passo.
Os Caminhos de Santiago na região Centro de Portugal

por Paulo Almeida Fernandes*

Nem todos os caminhos do Centro de Portugal vão dar a Fátima. É nesta região que se situa o mais importante santuário de peregrinação em solo português, mas este extenso território tem sido cada vez mais procurado por peregrinos jacobeus em direção a Santiago de Compostela.

* Paulo Almeida Fernandes (Lisboa, 1974) é doutorado em História da Arte pela Universidade de Coimbra (2017), mestre em Arte, Património e Restauro (2002) e licenciado em História, Variante de História da Arte, pela Universidade de Lisboa (1997). É coordenador do Museu de Lisboa – Palácio Pimenta e colaborador do Instituto de Estudos Medievais (Universidade Nova de Lisboa). Dedica-se ao estudo da Alta Idade Média e Arte Românica, Caminhos de Santiago e história de Lisboa.

Em anos recentes, pode mesmo falar-se numa revolução dos Caminhos de Santiago no Centro de Portugal. Estruturaram-se quatro itinerários que são parte integrante da espinha dorsal das rotas jacobeias portuguesas – Caminho Central; Caminho Nascente; Caminho Português do Interior e Caminho de Torres. Para além disso, existem outros itinerários que, apesar de se encontrarem em diferentes estádios de desenvolvimento e de infraestruturação, são essenciais para diversificar a experiência de conhecimento do território proporcionada aos peregrinos – Caminho Marítimo de Santiago; Caminho do Oeste; Variante de ligação entre Coimbra e Viseu; Via da Estrela.

Não existem dados quantitativos concretos da passagem de peregrinos, mas a maior parte dos municípios que decidiram realizar investimentos na qualificação e promoção dos Caminhos de Santiago encaram estas ações com otimismo e numa ótica de sustentabilidade partilhada dos itinerários. A ideia de que o Centro de Portugal é uma região de passagem entre o Sul e o Norte é redutora. Há cada vez mais peregrinos a começar o caminho em Coimbra, em Viseu, em Aveiro, ou mesmo em Fátima, assim ligando os dois principais santuários de peregrinação do ocidente ibérico.

Não se pense, porém, que os Caminhos de Santiago na região são algo do passado recente. Foi a consistente passagem de peregrinos neste território que definiu algumas emblemáticas rotas jacobeias. Esta circunstância é particularmente importante para o Caminho Central. Em 2002, quando se realizou o primeiro reconhecimento deste itinerário na atual região Centro de Portugal, partiu-se para o terreno seguindo o relato de Giovanni Battista Confalonieri. Este peregrino jacobeu em 1594 escreveu uma espécie de diário de viagem onde elencou resumidamente os caminhos traçados pela comitiva e as localidades onde pernoitou e almoçou. Pelo Caminho Central peregrinaram outros célebres autores, desde Jerónimo Münzer (1495) até Nicola Albani (1745), o que prova a manutenção deste trajeto como principal rota histórica jacobeia portuguesa e também como itinerário gerador de memórias literárias de impacto internacional.

Os caminhos Nascente e de Torres seguem também relatos de ilustres peregrinos, como Edme de Salieu (1532) e Diego de Torres Villarroel (1737). Mesmo para o Caminho do Oeste, itinerário cuja estruturação está mais atrasada, subsistem relatos surpreendentes dos séculos XVI e XIX. Foi por este percurso que Gianbattista Confalonieri regressou de Compostela a Lisboa e conserva-se ainda um tão surpreendente quanto desconhecido relato de William Dalrymple, peregrino em 1774. Estes documentos fazem do futuro Caminho do Oeste um dos mais documentados na história jacobeia portuguesa.

Para além destes autores célebres, a própria passagem dos peregrinos atuais está repleta de marcos históricos associados ao culto jacobeu. Em Coimbra, preserva-se a memória da rainha D. Isabel de Aragão, peregrina jacobeia em 1325. Das mãos do arcebispo compostelano Berenguel de Landoira, recebeu a rainha o bordão e a bolsa de esmolas que acompanharam a deposição do seu corpo no túmulo, hoje conservado no mosteiro de Santa Clara-a-Nova. Em Conímbriga, um anónimo peregrino fez-se sepultar acompanhado por uma vieira, símbolo por excelência da peregrinação cumprida. Albergaria-a-Velha deve o seu nome a uma albergaria para peregrinos fundada no sítio de Assilhó pela rainha D. Teresa em 1117.

Em todos estes caminhos, as igrejas de Santiago são importantes marcos da evidência de passagem de peregrinos e do acolhimento que aí recebiam. Algumas dessas igrejas foram já destruídas, como sucedeu em Pinhel, Guarda, Trancoso ou Covilhã, mas outras existem que ilustram a sua relevância para as rotas jacobeias, passadas e presentes: Belmonte, Évora de Alcobaça, Soure, Coimbra, Abraveses, entre outras.

As muitas evidências patrimoniais, materiais e imateriais, associadas aos Caminhos de Santiago fazem da rede peregrinatória jacobeia na região Centro de Portugal muito mais do que simples itinerários silenciosos da vivência religiosa. São portas para a descoberta dos territórios, oportunidades de dinamização cultural e económica, polos de convívio entre peregrinos de diversas origens e os habitantes locais, espaços de liberdade, multiculturalidade e cosmopolitismo. No seu conjunto, ligam áreas urbanas e rurais, unidades de património mundial com outras ainda não tocadas pelo turismo, geografias do passado, do presente e do futuro num só trajeto ao alcance dos nossos pés.

Siga a proposta de Paulo Almeida Fernandes e avance, passo a passo, para esta aventura física, sensorial, espiritual e memorável, optando por um dos vários trajetos dos Caminhos que atravessam o Centro de Portugal.


Conheça-os melhor...

CAMINHO PORTUGUÊS SANTIAGO CENTRAL – REGIÃO CENTRO
Principal rota jacobeia portuguesa e o segundo itinerário mais percorrido por peregrinos de Santiago em todo o mundo, o Caminho Português Santiago Central – Região Centro recebe a certificação oficial em julho de 2023. No Centro de Portugal, o trajeto caracteriza-se por um notável equilíbrio entre áreas urbanas e rurais, entre trechos de património edificado e natural.
Conheça-o…


CAMINHO PORTUGUÊS DE SANTIAGO INTERIOR
Este itinerário jacobeu foi o primeiro certificado na região Centro de Portugal, em 2021. O Caminho Português do Interior foi estruturado por oito municípios, dois dos quais (Viseu e Castro Daire) fazem parte desta região.
Siga-o…


CAMINHO NASCENTE
Estruturado em anos recentes e ainda objeto de melhoramentos em curso, o Caminho Nascente é a melhor forma de conhecer a história da Beira Interior e as suas muitas singularidades. Da campina albicastrense até pontos dominantes sobre a paisagem nas serras da Gardunha e da Estrela, o caminho é selvagem, solitário, duro e … deslumbrante.
Percorra-o…


CAMINHO DE TORRES
Como a designação indica, o Caminho de Torres adota o nome do seu peregrino mais célebre: Diego de Torres Villarroel. Peregrino de Santiago em 1737, deixou um extenso poema sobre essa jornada e mais notas na sua autobiografia. Quatro deles integram a Região Centro de Portugal.
Ponha-se a caminho…


CAMINHO MARÍTIMO DE SANTIAGO
O Caminho Marítimo de Santiago recorda a traslatio jacobea, aquela viagem mítica realizada numa embarcação de pedra que levou a que o corpo do apóstolo Santiago transitasse da Terra Santa até aos confins do mundo ocidental então conhecido – a Galiza.
Descubra-o …

Farol da Barra

CAMINHO DO OESTE
Com base nos testemunhos de Gianbattista Confalonieri e William Dalrymple e na investigação histórica acerca da passagem de peregrinos, culto a Santiago e rede de albergarias e hospitais, foi possível estruturar um itinerário-macro que passa por 8 igrejas de Santiago, 2 bens classificados como património mundial (os mosteiros de Alcobaça e da Batalha) e um conjunto alargado de locais com longa tradição jacobeia, como Óbidos, Santiago de Litém ou Soure.Santiago dos Velhos
Saiba mais…


VIA DA ESTRELA
A Via da Estrela é ainda um projeto de ligação transfronteiriça entre a Via da Prata (caminho jacobeu com larga história em Espanha) e os caminhos de Santiago Nascente e Interior.
Conhece-a…



DICAS PARA OS INICIANTES

Para um Caminho de Santiago tranquilo, prepare-se da melhor forma.

Siga as seguintes recomendações:

. Fazer pausas durante as caminhadas para reforçar a alimentação e hidratação. Haverá muitos locais como restaurantes, cafés e pastelarias que têm uma vasta variedade de lanches e refeições leves.

. Beber água com frequência e quando chegar ao seu destino do dia, beber pelo menos 0,5lt de água para garantir que não vá ter dores musculares.

. Cuidar bem dos pés, hidratando-os com creme ou vaselina antes de calçar as meias. Se durante o dia sentir qualquer desconforto nos pés (fricção ou dor), parar imediatamente e tratar dos pés, tapando o local de fricção com um penso e/ou compressa apropriados. Trocar os pensos todos os dias após o banho e aplicá-los novamente, antes de hidratar os pés. É importante deixar os pés respirarem ao final do dia, pelo que se recomenda o uso de sandálias desportivas.

. Evitar levar uma mochila grande (capacidade até 36 litros é o ideal), a tentação de enche-la é grande e trazer roupas em excesso e de material pesado (algodão e lã) também não é recomendado. Para os artigos de higiene evitar levar frascos grandes. A leveza da mochila será essencial para garantir uma boa experiência do Caminho.

. Levar todo o conteúdo da mochila condicionado em sacos estanques para evitar ficarem molhados caso tenha um dia de muita chuva.

. Levar capa de chuva (tipo poncho) que cubra também a mochila.

. O uso de bastões para ajudar nas subidas e descidas é uma grande ajuda para aliviar o esforço nos joelhos e pernas. Se optar por trazê-los, recomendamos trazer um par (2 bastões).

Antes de Chegar:

Descarregue a APP Google Earth para o seu telemóvel
Descarregue os ficheiros em KMZ do caminho que lhe interessar

Durante o Caminho:

»» Fale com os peregrinos
»» Valorize os momentos a sós
»» Evite caminhar à noite
»» Mantenha um ritmo constante (em média caminha-se 4km/h)
»» Beba sempre água e evite beber álcool durante o dia se estiver a caminhar. Bebidas alcoólicas desidratam e influenciam na coordenação motora.

»» Tenha sempre o seu telemóvel carregado / trazer uma powerbank e tê-la sempre carregada
»» Na dúvida, pergunte. Todas as pessoas no Caminho são bons conselheiros e hospitaleiros
»» Aproveite a gentileza das pessoas e agradeça sempre.

Mapa Caminhos de Santiago no Centro de Portugal

Bom Caminho!


Guia Boa Cama Boa Mesa – “Caminhos de Santiago no Centro de Portugal”

O seu guia para uma peregrinação inesquecível…

Descarregue o guia “Caminhos de Santiago no Centro de Portugal”, edição Boa Cama Boa Mesa, com distribuição no Expresso.


Podcast “Aqui Entre Nós” – Pelos Caminhos do Centro de Portugal

Para nos falar dos Caminhos de Santiago, no Podcast “Aqui Entre Nós” – Pelos Caminhos do Centro de Portugal, o Prof. Paulo Almeida Fernandes, doutorado em História da Arte pela Universidade de Coimbra, coordenador do Museu de Lisboa, colaborador do Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa e grande especialista nos Caminhos de Santiago.

Explorar os Caminhos de Santiago na região Centro de Portugal

O Caminho Central é o mais percorrido dos itinerários de peregrinação até Santiago de Compostela. Entre a espiritualidade e a contemplação, esta é cada vez mais uma rota de descoberta turística. Recentemente certificado, o Caminho Português de Santiago Central – Região Centro prolonga-se por mais de 190 km.

O que dizem os media sobre os Caminhos de Santiago do Centro de Portugal

Programa “70X7”, RTP, emitido a 15 de outubro 2023

Artigo em permanente atualização.
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