“Nelas é muito mais a dimensão do sonho,
da distância, do tamanho, dos horizontes.”

António Lobo Antunes nasceu em Lisboa a 1 de setembro de 1942. Formado em medicina, em 1969, com especialização em psiquiatria. A sua obra literária aborda temas tão diversos como a guerra colonial portuguesa, o Estado Novo e as complexidades da psicologia humana.

Entre 1971 e 1973, exerceu a sua atividade na guerra colonial, em Angola, como oficial. Uma experiência de tal forma marcante que teve uma profunda influência na vida e na obra do escritor que, a partir dos anos oitenta, se dedica integralmente à escrita. 

Em 1979, publicou Memória de Elefante e Os Cus de Judas, uma obra literária considerada um marco da literatura portuguesa. Trata-se de um relato das experiências do protagonista durante a guerra onde o autor fala simultaneamente dos acontecimentos políticos e dos conflitos interiores causados pela guerra.

As Crónicas começaram por ser publicadas nos anos 90, primeiramente no Público e depois na revista Visão. Presentemente, encontram-se reunidas em seis livros onde se evidenciam variadíssimos traços que retratam o escritor, destacando-se entre outros, a adolescência, a saudade e a família. Dos lugares, das ruas, dos edifícios e das pessoas, recordações emotivas da vila de Nelas que António Lobo Antunes eternizou nas suas Crónicas. 

Em Nelas, em 2001 foi-lhe atribuída uma rua com o seu nome. Em 2005, recebeu a Medalha de Ouro do Município sendo o seu nome atribuído à Biblioteca Municipal.

Reconhecido pela genialidade da sua obra, António Lobo Antunes recebeu inúmeras distinções em Portugal e no estrangeiro. O destaque vai para o Prémio Juan Rulfo, 2008, Prémio Camões, 2007, Prémio Jerusalém, 2005, Prémio Ovidio, 2003 e Prémio Europeu de Literatura, 2001, entre muitos outros.

Atualmente, António Lobo Antunes é um dos escritores mais influente da literatura portuguesa assim como um dos autores mais traduzidos da literatura portuguesa contemporânea.

Percurso Literário: pelas memórias de António Lobo Antunes é um convite à descoberta de Nelas através das palavras do escritor que nas suas Crónicas descreve as férias passadas na infância em casa dos avós maternos em Nelas.

Este roteiro, que conjuga a leitura de excertos com o património arquitetónico e as estórias locais, guiam o visitante pelas memórias escritor alusivas a Nelas através de 14 pontos de paragem direta ou indiretamente mencionados nas crónicas sendo o ponto de partida (1) e o ponto de chegada (14) no jardim da Biblioteca Municipal de Nelas – António Lobo Antunes.

O escritor ao evocar as memórias de Nelas faz referência ao comboio, à farmácia, os correios, as loja do senhor Casimiro o local onde se realizava a feira da almuinhas, da vista para a serra da estrela, do jardim sobranceiro à igreja e o edifício dos Paços do concelho.

DISTÂNCIA: 4,5Km
DURAÇÃO: 2:30
TIPO: Circular
PERCURSO: Urbano
PONTO DE PARTIDA E CHEGADA:
Biblioteca Municipal António Lobo Antunes
Av. Dr. Francisco Sá Carneiro . 3520-071
40.5379472, -7.8517206,17

Ponto 01 | Biblioteca Municipal António Lobo Antunes

NELAS…

“(A)gora estou em Nelas, quer dizer voltei a Nelas. O meu passado irrompe de súbito pelo meu presente, não um passado morto, um passado vivo (…) metade da vila mudou e metade não mudou, reconheço tudo e não reconheço nada. Quem sou eu? Este fortuito arranjo de elementos que se chama António Lobo Antunes?”
António Lobo Antunes (2007).


Olá.
In Segundo Livro de Crónicas (p.84).
Dom Quixote (2.ª ed.).

Biblioteca Municipal António Lobo Antunes

A Biblioteca Municipal António Lobo Antunes tem um papel essencial na preservação da qualidade de vida nos aspetos educativo, informativo, científico e cultural dos munícipes. Tal contributo efetiva-se através da Biblioteca enquanto agência multifacetada de informação, educação e cultura, complemento ao sistema educativo formal e um importante suporte à educação em tempo parcial.

Tem uma missão preponderante ao nível da aquisição de hábitos de leitura na população e no fornecimento de informação em diversas temáticas e nos mais variados suportes, incluindo as novas tecnologias. Procura ainda promover o conhecimento e o apreço pelas artes, pela herança cultural e pelo património e história local. Neste sentido, a Biblioteca Municipal ao oferecer uma panóplia de serviços e atividades responde às necessidades de uma sociedade cada vez mais exigente.


Ponto 02 | Estação Ferroviária

O COMBOIO

“(O) que lembro de Nelas é o comboio lá em baixo a avançar ao sol entre as folhas da vinha como um dedo que procura debaixo de uma saia, os olhos do meu avô pendurados do castanheiro pelo ouriço das pestanas, a sua atenção triste, o que lembro de Nelas é a minha mãe muito nova e a voz dela por dentro do meu corpo, chamando-me no corredor como chamam as viúvas pela harpa da chuva (…)”

António Lobo Antunes (2002).
Carta ao meu tio João Maria.
In Livro de Crónicas (p. 92).
Dom Quixote (5.ª ed.).


Ponto 03 | Quatro Esquinas

A FARMÁCIA

“(…) o que lembro de Nelas são veredas de amoras, os pescoços de cisne do pinhal à tarde a subirem altíssimos na direção do mar, pálpebras
zangadas de galinha, súbitas pedras de mica outrora escamas de sangue, o milhafre empalhado da farmácia que observava o céu com olhos raivosos de dentista, a voz da cafeteira ferrugenta do alfaiate rodeado de pássaros assustados de tesouras (…)”

António Lobo Antunes (2002).
Carta ao meu tio João Maria.
In Livro de Crónicas (p. 92).
Dom Quixote (5.ª ed.).

A Farmácia Faure e as Quatro Esquinas

A Farmácia Faure, situada nas Quatro Esquinas, na Vila de Nelas, foi fundada em 1901, sendo um marco incontornável na história do Concelho.


Ponto 04 | CTT – Estação de Correios

OS CORREIOS

“(O) meu avô da pagela levou sumiço quando eu tinha doze anos. Nunca lhe ouvi uma palavra para amostra. Também não dei pela ternura e dedicação inigualáveis, mas pode ser que uma criança tenha dificuldade em aperceber-se de qualidades veementes. Para mim era um cavalheiro silencioso, ocupado a decifrar o Diário de Notícias que desembarcava em Nelas no correio do meio dia.”
António Lobo Antunes (2013).
Domingo entre limoges e a Beira Alta.
In Quinto Livro de Crónicas (p. 207).
Dom Quixote.

CTT – Estação de Correios de Nelas

O edifício dos CTT de Nelas, cuja construção remonta a 1951, integrou o Plano de Construções dos Novos Edifícios para os CTT, ao abrigo da Base XIV da Lei n.º 1959 do ano de 1937. Na fachada do edifício podemos encontrar o emblema dos Correios e Telégrafos, que esteve em vigor entre 1936 e 1953. Representa o Escudo Português, armado lateralmente com os raios que simbolizavam as Comunicações (telegráficas e telefónicas), encimando a esfera armilar.


Ponto 05 | Rua Sacadura Cabral

A LOJA DO SR. CASIMIRO

“(H)á coisas que me chateiam na ideia da morte: não tornar a ver o mar na Praia das Maças às sete horas da tarde, por exemplo, da janela do andar de cima da casa dos meus pais, ou a flor de um cardo selvagem ao pé do sítio que escrevia. (…) Conhecia aquilo tudo a palmo conforme conhecia Benfica a palmo, conforme conhecia Nelas a palmo, os vértices dos meus primeiros anos. (…) Os primeiros poemas. Os primeiros terríveis, desesperados amores. Missas. Chocolate quente. O senhor Casimiro que me oferecia rebuçados e ao enumerar isto os vértices do triângulo confundidos. Bilhetes postais pelos meus anos e no endereço Menino António Lobo Antunes, Casa do Castanheiro, Nelas.”


António Lobo Antunes (2013).
Crónica Vagabunda.
In Quinto Livro de Crónicas (pp. 63-64).
Dom Quixote.

Enquadramento

No fundo da Rua Sacadura Cabral situava-se a Loja do Sr. Casimiro (atual Agência de Viagens), espaço que o autor recorda com carinho e onde era frequentemente presenteado com rebuçados e doces pelo dono da Loja.


Ponto 06 | Espaço da Antiga Feira de Nelas – Praça Professor Dr. José Veiga Simão

A FEIRA

“(…) a feira mudou: já não existem leitões, nem barros, nem ourives, os ourives partiam de bicicleta, em bando, vestidos de preto, com molas de roupa na dobra das calças. O nosso castanheiro cortado. Indústrias e indústrias, até esplanadas, até um centro comercial em botão. E rotundas. Que é de pedra escura, do silêncio? O cheiro, no entanto, mantém-se, reconheceria este arzinho não importa onde. E a serra igual, em manhãs assim, nítida de uma ponta a outra do horizonte. Ao construírem uma destas rotundas, um destes edifícios, terão, sem darem conta, levado o meu osso consigo? Um osso, acho eu, feito de tantas coisas: pessoas, tardes intermináveis com uma pedra de mica na mão, o correio das seis. A vindima. A loja do Senhor Casimiro. Eu. Pinheiros e pinheiros, em alguns pontos tão espessos que o ar custava a entrar. Farejo por aqui e por ali sem achar nada (…)”

António Lobo Antunes (2006).
O osso.
In Terceiro Livro de Crónicas (pp. 43-44).
Dom Quixote

Enquadramento

Na intersecção da EN 234 e da EN 231, realizava-se a antiga Feira de Nelas, espaço este que sofreu diversas modificações, passando a feira para um novo local.×+−Procurar por um localMais controlos300 m1000 ftmap data © OpenStreetMap contributors under ODbL — Sobre — Início — Powered by uMap


Ponto 07 | Casa dos avós de António Lobo Antunes – Rua Dr. Eurico Amaral

A CASA DOS AVÓS

“(…) o que lembro de Nelas são partidas e chegadas, cartas que não sabia ler, livros antigos, os pardais cegos das xícaras sem asa, e junto à porta da cozinha o poço aberto como a boca de um doente falando vozes esquecidas, pedras, lagartixas, lixo, ecos, lembro esta trepadeira ardendo sombras no silêncio, ao visitar a casa anos depois tudo era tão pequeno que me cabia na palma, que cabia num ínfimo suspiro de saudade, tudo era tão pequeno que não reconheci a escada de granito, os castanheiros, os quartos antigamente enormes mas estava em Nelas porque ao sair para a camioneta de Lisboa senti a sua mão no meu braço.”


António Lobo Antunes (2002).
Carta ao meu tio João Maria.
In Livro de Crónicas (p. 93).
Dom Quixote (5.ª ed.).

Enquadramento

Foi com 3 anos que, pela primeira vez, António Lobo Antunes esteve na casa dos avós maternos. em Nelas.


Ponto 08 | Mata das Alminhas

AS ALMINHAS

“(…) a caixa de esmolas era enorme, de pau, com o letreiro Almas do Purgatório por fora. Não entendo completamente o mecanismo mas a ideia era que metendo dinheiro na ranhura uma ou outra alma, e ignoro o critério da escolha, abandonava o Purgatório e batia as asas para o Céu dos mártires, livre de labaredas. (…)”


António Lobo Antunes (2011).
A Serra da Estrela é o lugar mais bonito do mundo.
In Quarto Livro de Crónicas (p. 142).
Dom Quixote (3.ª ed.).

Enquadramento

No Concelho de Nelas, este tipo de monumento erguido às alminhas surge a partir do século XVIII.
Localizadas nas proximidades de caminhos e cruzeiros lembravam os vivos das suas obrigações perante a necessidade de rezar aos seus entes queridos, portanto às “Almas do Purgatório”: Vós que ides passando lembrai-nos de nós que estamos penando,
expressão muito associada a estes monumentos. Constituem um inegável património cultural do Município ao nível da simbologia religiosa e etnográfica, destacando-se como verdadeiros símbolos de fé que foram profissionalmente
talhados pelo labor de grandes e anónimos mestres canteiros.
No caso destas Alminhas, a perpetuação do próprio nome de lugar, Mata das Alminhas, revela uma clara vontade da Autarquia e comunidade local em preservar e valorizar a sua religião, memória, crença, vivência e, acima
de tudo, o seu passado.


Ponto 09 | Placa toponímica – Rua António Lobo Antunes

A RUA ANTÓNIO LOBO ANTUNES

“Deixa-te disso, volta ao presente. Faz projectos. Inventa. Não largues um único osso que abocanhes. Pergunta:
– O senhor não é aquele escritor que me esqueceu o nome?
Isto dois caramelos na rua.
– Na minha opinião é melhor que o outro que também me esqueceu o nome
e juro que esta conversa é verdade. Apertaram-me a mão, aconselharam
-Continue
e vou continuar para me esquecerem ainda mais, enquanto eles continuaram rua fora, acotovelando-se sempre que uma mulher os cruzava. (…)”


António Lobo Antunes (2013).
O precário fio dos dias.
In Quinto Livro de Crónicas (pp. 45-46).
Dom Quixote.

Rua António Lobo Antunes

Em 2001 o Município de Nelas atribuiu o nome de António Lobo Antunes a uma rua.


Ponto 10 | Mata das Alminhas

A SERRA DA ESTRELA
“(V)oltei anteontem da Serra da Estrela, ou seja de a poucos quilómetros da Serra da Estrela onde fui encher os olhos com a minha infância que segue naquelas árvores, naquelas pedras, no pinhal que já não existe e no entanto para mim permanece. (…) A Serra da Estrela à minha frente, luzes de Seia, de Gouveia, de outras terras. (…) Continuarão depois de mim, continuarão para sempre, eternos como as pedras. (…)”


António Lobo Antunes (2006).
Onde a mulher teve um amor feliz é a sua terra natal.
In Terceiro Livro de Crónicas(pp. 273-275).
Dom Quixote.

Enquadramento

A Mata das Alminhas, parque de lazer igualmente conhecido por Parque de São Miguel, é um dos muitos espaços de lazer que pode utilizar e desfrutar no concelho de Nelas.


Ponto 11 | Rua Dr. Eurico Amaral

O JARDIM DO CEMITÉRIO

“(H)á ocasiões em que me pergunto por que motivo, cada vez com mais frequência, regresso à Beira Alta, e a única resposta é que sinto um cão que deixou por aqui, não sei bem onde, um osso enterrado, que me lembro do osso sem ter a certeza de que o osso é que era nem em que lugar o escondi e, no entanto, necessito encontrá-lo como se o osso fosse, para mim, uma questão vital. O problema consiste no facto de com os anos terem mudado quase tudo: tantos prédios novos, tantas ruas, tanta gente estranha. Reconheço algumas casas poucas a igreja de S. Miguel, claro, o cemitério, claro, pedaços de travessas, restos de pinhal (…)”
António Lobo Antunes (2006).
O osso.
In Terceiro Livro de Crónicas (p. 43).
Dom Quixote.

O jardim

Adjacente à Igreja Matriz de Nelas, encontra-se o Cemitério de Nelas, cujo portão de acesso tem a simbólica inscrição em latim Miseremini Mei, cuja tradução literal é Tende piedade de mim. O autor tinha uma vista direta desta entrada a partir da sua casa de família.


Ponto 12 | Adro da Igreja Matriz de Nelas

A IGREJA MATRIZ

“(M)issas. Missas na igreja de Nelas que tinha um sacristão manco a fazer o peditório com um cofre de folha. Nunca hei-de esquecer o som que as moedas faziam ao caírem na lata. Eu era criança e apetecia-me morder aquele som. Não sei porquê mas apetecia-me morder aquele som. Nem olhava o senhor vigário. Ainda hoje me apetece. Como uma das pernas do sacristão era mais curta do que a outra às vezes a caixa chocalhava, os sons multiplicavam-se e eu com ganas de morder tudo aquilo.”
António Lobo Antunes (2011).
A Serra da Estrela é o lugar mais bonito do mundo.
In Quarto Livro de Crónicas(p. 141).
Dom Quixote (3.ª ed.).

Enquadramento

A Igreja Matriz de Nelas, cujo orago é dedicado a Nossa Sra. da Conceição, foi anteriormente uma capela dedicada à Irmandade com a invocação de São Miguel. Na década de 60, com a demolição da Igreja Matriz que se situava no atual Largo São João de Deus (remontaria aos inícios do século XVII), a capela da Irmandade de São Miguel assumiu-se como Igreja Matriz.


Ponto 13 | Câmara Municipal de Nelas

O REGIMENTO DE CAVALARIA 7

“A Calçada da Ajuda era o meu tormento dos sábados de manhã. Na Calçada da Ajuda havia o Regimento de Cavalaria 7, no Regimento de Cavalaria 7 havia um picadeiro, no picadeiro havia um coronel, na mão direita do coronel havia um chicote, na mão esquerda do coronel havia uma corda, na ponta da corda havia um cavalo e em cima do cavalo havia eu a passo, a trote e a galope com o meu avô a gritar
– Endireita-te
a gritar desgostoso
– Não sejas maricas endireita-te (…)”

António Lobo Antunes (2021).
De cavalos, reis, padres e da tia Pureza.
In As Crónicas (p. 153).
Dom Quixote (2.ª ed.).

Enquadramento

O atual edifício dos Paços do Concelho foi originalmente um edifício de habitação da família dos Novais, provavelmente construído em
inícios do século XIX.
Em 1877 a Câmara contraiu um empréstimo para a sua aquisição com o intuito de aí instalar o Regimento de Cavalaria Nº 7, em virtude da expetativa de desenvolvimento económico e social da Vila de Nelas.
A vinda do Regimento acabou por acontecer em 26 de agosto de 1912. Instalou-se neste edifício até 1 de outubro de 1926, altura em que passou para Lisboa. Esse período proporcionou grandes melhorias infraestruturais que se podem verificar na própria história da evolução urbanística da vila*.
A partir de 1930, após algumas obras de requalificação, o edifício passou a ter a função de Paços do Concelho, o que acontece até aos dias de hoje, sendo um dos edifícios históricos mais emblemáticos do concelho.

(Artigo em permanente atualização. Agradecemos todos os contributos ou sugestões para: comunicacao@turismodocentro.pt)