Desde a adolescência que Sidónio Frazão (40) tem uma paixão pelas áreas da hotelaria e restauração. Nos tempos da escola secundária, em Fátima, procurava empregos em restaurantes e hotéis durante as férias ou fins-de-semana. Empregado de mesa, barman, o que lhe importava é estar inserido nesse mundo. Quando fez 18 anos, inscreveu-se numa formação em restauração e hotelaria. Desde então, passou a ser a sua principal atividade. 22 anos depois, sentiu que estava na hora de avançar com o seu próprio estabelecimento. Esboçou um projeto com características inovadoras e distintas, para implementar em Aveiro. Quando se dirigiu ao palco da gala do Fórum Vê Portugal, na Guarda, para receber o galardão do terceiro lugar no concurso de empreendedorismo turístico “José Manuel Alves”, do Turismo Centro de Portugal, sentiu que estava no caminho certo.
A ideia surgiu durante mais um passeio junto à ria de Aveiro. A poucos metros da emblemática Ponte de Carcavelos, lá estava a casa, com as suas paredes brancas e o seu primeiro-andar piramidal, entregue a si mesma e cada vez mais degradada. A cada passagem no local, Sidónio vislumbrava um pouco mais de tristeza no olhar da companheira, Catarina Ravara. A casa pertencera à sua avó, a dona Ondina Ravara. Desde o seu falecimento que estava fechada, desprovida de vida, de luz, de mundo. Já Sidónio, carregava consigo todos os países e continentes que visitara. Por vezes surgiam-lhe ideias para reabilitá-la, para implementar boas práticas turísticas ou de construção que testemunhara lá fora. No entanto, seria Catarina a primeira a verbalizar essa possibilidade. “Olha lá, tu é que podias fazer daqui alguma coisa, dizes que já estás cansado e farto de trabalhar para outros, porque não criar aqui algo? A casa está a cair, vamos falar com os meus pais e propões explorar o espaço”.
Sidónio acatou a sugestão. Após a reunião com os herdeiros, cujo desfecho foi favorável, passou algum tempo a equacionar possibilidades. Acabou por idealizar um projeto com quatro áreas de negócio, “distintas mas que se complementam sinergicamente”. Um alojamento local com cinco suítes, uma mercearia com produtos locais, um espaço para workshops e atividades de eco-turismo e, claro, um restaurante. “É na área da restauração/hotelaria que me sinto realizado, profissional e pessoalmente. No fundo porque sou uma pessoa hospitaleira, que adora receber bem, cuidar das pessoas, partilhar experiências com elas”, diz Sidónio.
Acérrimo defensor das “práticas naturais e do meio ambiente”, o casal decidiu adaptar o negócio ao “estilo de vida que pratica”. Decidiram que o restaurante ia ter refeições glúten free e sob o conceito slowfood, que promove uma maior apreciação da comida, um cuidado mais meticuloso com a qualidade das refeições e uma produção que valorize o produto, o produtor e o meio ambiente. Na mercearia, vão apenas ter produtos originários da região de Aveiro, “com o intuito de promover e ajudar os pequenos e médios produtores assim como impulsionar a economia local”, explica Sidónio. E, por último, a reabilitação do imóvel, que será efetuada com técnicas de bioconstrução, um tipo de construção norteado pela consciência ecológica, com o máximo aproveitamento dos recursos disponíveis e com o mínimo de impacto ambiental.
“A maioria da reabilitação estrutural será feita em madeira. As técnicas de bioconstrução que posteriormente irão ser aplicadas no interior, incluem a utilização do adobe, superadobe, taipa de pilão e tijolo de solo. Vamos também fazer alguns vitrais com garrafas de vinho recicladas”, informa Sidónio.
Grande parte da inspiração destas escolhas veio das viagens e dos exemplos que Sídónio foi conhecendo no caminho. No Novo México, conheceu Michael Reynolds, arquitecto que fundou o conceito Eartship Biotecture e que é conhecido como o “Rei do Lixo”, por implementar um sistema de construção sustentável de casas feitas a partir de materiais reciclados.
Já em Oregon, no noroeste dos Estados Unidos, travou conhecimento com Juan, “um grande mestre que trabalha a madeira há 40 anos de uma forma muito original, sem nunca ter cortado uma árvore”. Sidónio explica que o artista transformou a sua casa num “museu maravilhoso, que se chama It´s a Burl Gallery”.
Sidónio desceu também ao México, “um país que apresenta uma enorme variedade de técnicas de bioconstrução”. Foi lá que conheceu Nataniel e Gimena, um casal com uma empresa com várias obras em fase de construção e desenvolvimento no estado de Oaxaca. “Com eles aprendi muitas técnicas novas com materiais como o bambo, folha de palmeira, bosta de vaca fermentada, barro, pedra e materiais reciclados”.
Mais a Sul, na Guatemala, Sidónio voluntariou-se num festival onde soube que ia estar Broll Jholl Marrallo, artista brasileiro conhecido pelas suas esculturas inspiradas em motivos místicos, como totens, deuses, máscaras tribais ou carrancas. Ajudou o artista a montar um palco cuja estrutura era toda em bambu e até na construção de um pequeno restaurante, com recurso a materiais apanhados na floresta.
Seguiu-se uma viagem à Califórnia. “É o estado americano mais evoluído no bioconstrução, sustentabilidade, ecologia integrada, produção biológica e orgânica, energias renováveis, ecoturismo e enoturismo”, afirma Sidónio. “Decidi que era ali que deveria ir à procura de todos estes novos conceitos para os poder aprofundar e aplicar no meu projeto”.
Foi lá que o arquiteto do projeto, Vasco Lopes, equacionou focar o design nas cabanas típicas das montanhas da Califórnia. “Assemelhavam-se aos armazéns do sal em Aveiro e assim ficava enquadrado com as características da cidade”. A ideia acabaria por ser abandonada, pois era “desvantajosa” para o projeto. “Esse formato iria reduzir a capacidade de alojamento, inviabilizando a construção de duas suítes adicionais”, afirma Sídónio.
Quando o empreendedor resolveu avançar com a inscrição no IAPMEI, era necessário batizar o projeto. Inicialmente, tendo em conta o número da casa (nove), colocou a hipótese de Nona Porta. “Desisti porque o nome podia ser associado ao filme “A Nona Porta”, de Roman Polanski, que teve cenas filmadas em Sintra”. Mas, num caricato desígnio de destino, a solução não estaria muito longe dali. A família da antiga proprietária, avó da sua companheira, tinha ascendência italiana. Em italiano, “avó”, escreve-se “Nonna”. “Ficou logo decidido”, assegura Sidónio.
Em finais de 2017, o projeto Nonna participou no programa de aceleração Newton, promovido pela Rede de Incubadoras de Empresas da Região Centro (RIERC). Foi nesse evento que travou conhecimento com Gonçalo Castro Gomes, do Núcleo de Apoio ao Investimento Turístico do Turismo Centro de Portugal, que o incentivou a participar no concurso de empreendedorismo turístico do TCP, os prémios José Manuel Alves.
Sidónio acatou a sugestão. No ano seguinte, no Fórum Vê Portugal, na Guarda, recebia o galardão do segundo lugar da competição. “Foi a confirmação de que estava no caminho certo e com uma ideia diferenciadora e inovadora”, afirma, salientando que sempre foi sua intenção que o seu projeto não fosse “apenas mais um”. “Queria que acrescentasse valor à cidade e ao público”.
O empreendedor destaca a importância do prémio no “reconhecimento” das ideia de negócio. “Dá visibilidade aos projetos e incentiva os promotores. É também uma ajuda monetária, mas é principalmente um reconhecimento do trabalho que se está a desenvolver”.
Presentemente, Sidónio explica que o Projecto Nonna está a desenvolver as “especialidades relativamente ao projeto arquitetónico” para que brevemente seja entregue na Câmara Municipal de Aveiro, sendo-lhe atribuído, posteriormente, o alvará de construção. Seguir-se-á a criação do website, um crowdfunding, formação e workshops de bioconstrução e alimentação saudável, estabelecer parcerias e protocolos com empresas, entregar o projeto definitivo na câmara, orçamentos e a candidatura ao IFRU (Instrumento Financeiro Reabilitação e Revitalização Urbanas).
“O crowdfunding tem o objetivo de angariar fundos para convidarmos engenheiros, arquitetos e especialistas, nacionais e internacionais, em bioconstrução e energias renováveis para ministrarem workshops de cada área”, informa Sidónio, elucidando que estes eventos serão realizados durante a fase da reabilitação do imóvel. Posteriormente, serão organizados workshops sobre alimentação saudável. “Após a inauguração vamos convidar vários chefes nacionais e internacionais”.
Apesar dos vários degraus que ainda tem pela frente, Sidónio revela-se confiante. “Estou motivado, empenhado e com imensa confiança no trabalho que está a ser desenvolvido”.
O Concurso de Empreendedorismo Turístico / Prémio José Manuel Alves é organizado pela Entidade Regional do Turismo do Centro de Portugal desde 2016 e destina-se à deteção e apoio a projetos inovadores no setor do Turismo com implementação na região Centro de Portugal, sendo atribuído ao vencedor o Prémio José Manuel Alves, em homenagem ao percurso do ex-presidente da Região de Turismo do Centro, que esteve na génese da criação do gabinete de Apoio ao Investimento Turístico, na região Centro de Portugal. A presente edição do concurso está em curso. Consulte aqui o regulamento.